quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Entrevista com Rosa Passos



"Música brasileira de consumo imediato 
não faz sucesso lá fora", Rosa Passos. 

Helder Miranda
Em agosto de 2008 / introdução reescrita em outubro de 2010



Comparada no exterior com Ella Fitzgerald, a cantora brasileira Rosa Passos é famosa internacionalmente, mas praticamente desconhecida, ou desvalorizada, pela imprensa brasileira - o que é uma pena. Agora, em turnê nacional, começa a divulgar o CD de baladas Romance (Universal). Durante a conversa, que durou aproximadamente meia hora, esta baiana de Salvador, que vive há 34 anos em Brasilía, respondeu, ao som ambiente da livraria (o CD Rockfeller, da cantora Duffy) com exclusividade todas as questões, mostrando certa irritação quando o assunto era o mundo pop. Sorte do repórter, que em um dia chuvoso teve a oportunidade de conhecer a fundo este talento, e uma pena para os leitores de outros veículos, que mais uma vez não tiveram a oportunidade de conhecê-la como ela, merecidamente, deveria ser. 

Como é ser considerada o João Gilberto de saias?
(Risos) Essa pergunta me acompanha há muitos anos e eu já saí desse esquema de João Gilberto de saias (risos), desde 79 que esta história está rolando...

Como isso começou?
Isso começou com Silvio Lancelotti, quando lancei meu primeiro disco em 79,que tinha influências grandes da Bossa Nova, mas isso já passou, acabou... Eu já fiz tantas coisas, tantos trabalhos. As pessoas tem o costume de rotular muito o artista como uma coisa só, e eu tenho um trabalho muito mais diversificado. Essa coisa de “João Gilberto de saias”, confesso a você que já não aguento mais! É uma honra, é maravilhoso, mas eu já saí dessa história. Tanto que lá fora eu sou considerada uma cantora de jazz. Ninguém fala em “João Gilberto” de saias. Eu sou comparada a Ella Fitzgerald!

Mesmo não gostando, você continua comparada. Como é isso?
Acho maravilhoso, mas tenho o meu trabalho como compositora e intérprete. As regravações que faço tem um toque muito pessoal. Como intérprete, gosto muito disso.

Qual a repercussão da música brasileira no exterior?
Muito boa. É um trabalho que já faço há 12 anos, que venho plantando, e nos últimos anos, vem sem reconhecido nos Estados Unido e na Europa. Agora, a coisa está acontecendo de fora para dentro, as pessoas estão começando a ter curiosidade em relação ao meu trabalho aqui no Brasil por causa do exterior, onde tenho as portas completamente abertas pra mim. Eu fiz o Carnegie Hall sozinha com meu violão, recebi um título de doutora honoris causa da Berkleys, que é a maior escola de jazz do mundo. São muitas coisas importantes que tem acontecido comigo lá fora e também na Europa, onde tenho um trabalho muito conceituado porque já venho plantando isso há muitos anos.

Começar como artista no exterior é mais difícil?
Minha carreira internacional foi natural porque meus discos foram chegando primeiro lá fora. Depois de quatro anos no mercado europeu e norte-americano, comecei a me apresentar como artista convidada. Meus discos já estavam nas lojas, e já havia saído críticas em jornais e revistas conceituadas, conquistado um público. Foi bem tranquilo.

Mas qual o segredo de construir uma carreira sólida fora do país?
Você tem de fazer uma música de qualidade para acontecer lá fora. Música brasileira de consumo imediato não faz sucesso lá fora. A visão que o americano gosta de ter da música brasileira é a de qualidade, a Bossa Nova, a música do Tom Jobim, Ivan Lins. Não adianta, por exemplo, você levar axé.

Em quais países que a MPB tem menor repercussão?
Já me apresentei na Espanha, Itália, França, Alemanha e Estados Unidos  e olha... Nenhum tem menor repercussão (risos). Tenho uma visibilidade de extensão muito grande nos Estados Unidos. Quando você se apresenta neste país e aparece no New York Times, recebe opinião dos grandes críticos de música de jazz... Então o mundo inteiro fica sabendo sobre você.

Que estilo musical você prefere?
MPB e jazz, que é o meu estilo, minha característica.

E a Bossa Nova, que rendeu tantas comparações?
A Bossa Nova é a prima do jazz. Descobri uma fórmula que possibilitou que eu juntasse o Jazz com a Bossa Nova e fizesse uma coisa muito jazzística, sem que perdesse a brasilidade e o suíngue.

Você acredita que a Bossa Nova um dia será superada por algum outro estilo musical?
Eu não digo “ser superada”. A Bossa Nova tem o lugar dela, é eterna, nunca vai envelhecer. Pra muita gente aqui no Brasil Bossa Nova é música da noite. Agora, neste ano, em que faz seu 50o aniversário, está melhor que aos 40. Até pessoas que não têm nada a ver com Bossa Nova estão gravando discos, homenageando. Isso é interessante...

Você não considera oportunismo?
Olha, não vou dizer nada... (risos) Cada um sabe da sua consciência... Se estão homenageando com amor e carinho, que seja. Se está homenageando a bossa nova de verdade, que bom! Mesmo que não seja a sua praia, o seu estilo.

Qual a sua opinião sobre as novas cantoras que estão surgindo, como Amy Winehouse?
Olha, eu gosto muito da Madeleine Perrot, que por sinal é muito minha amiga e fã. Eu gosto muito da Stacy Cant, que vem agora pro Tim Festival, interessantíssima. Tem a spelance spaldwin  que é baixista e cantora também. A Amy é uma coisa com um jazz mais pro pop, eu não a acompanho. Em relação à Diana Kral, nós não somos amigas, nunca estivemos juntas, mas eu curto muito ela, e ela me curte muito. Ela esteve no Brasil no início do ano e falou sobre mim várias vezes, inclusive manifestou desejo de gravarmos juntas.


Tem essa possibilidade?
Claro, a gente tendo uma possibilidade de agenda... Como ela ama o meu trabalho eu amo o dela. Fico muito orgulhosa de ter ela gostando do meu trabalho

Na música brasileira, quem você indicaria?
Não estou escutando. Hoje na música brasileira são muitos cantores aparecendo. Tem muito espaço para o pop e eu não tenho muita ligação com esse gênero. Assim, tem umas cantoras de samba e tal, mas eu confesso a você que eu viajo muito, então eu não tenho acompanhado e , como sou muito tradicional, então fico naquelas que já sei, que conheço. Agora eu gosto muito da Maria Rita. Esse novo trabalho dela voltado ao samba é muito interessante. A Maria Rita é uma cantora talentosíssima, herdou da mãe essa coisa maravilhosa, tem uma voz belíssima e eu acho que esse disco dela de samba é superinteressante.

Qual a sua opinião sobre esses programas que estão em busca de um novo ídolo?
Eu não assisto, não gosto de dar opinião porque essa parte de mundo pop realmente não é o meu mundo. Estou preocupado com o que aluem lá nos Estados Unidos vai lançar de novo... Estou muito ligada o jazz. Porque com MPB eu mantenho a minha tradição. Tem um disco de Edu Lobo que eu amo de paixão, que se chama Meia Noite, que estou sempre ouvindo. Tenho uns discos de cabeceira que eu mantenho esses. Coisa pop eu não tenho contato.

Por que essa rejeição?
Não é rejeição. Eu acho que todo mundo tem o direito de gostar, mas não tem nada a ver com meu estilo. Não tenho nada a ver com o pop, entendeu? Acho legal, mas tenho e escolhi outro camionho. Não é rejeição. Tanto que meu disco, indicado no latin Grammy agora, é um disco de jazz, e colocaram no popo contemnporâneo. Não tenho nada a ver com pop contemporâneo!

E o que você achou dessa classificação?
Eu achei ridículo. Porque minha gravadora me colocou numa categoria Jazz, que é a de meu disco Romance. E esse é o mais novo, é um disco de baladas brasileiras bem jazzístico, que não tem nada a ver com pop e no entanto o Latin Grammy colocou ele numa categoria que não tem nada a ver. Não tenho nada contra o pop, inclusive eu adoro os pops de Djavan. Eu gravei no Azul a  música Açaí, eu canto Samurai nos meus shows, entendeu? Com uma levada jazzística. Mas são os pops bons, as coisas boas. Não tenho nada a contra. Acho que todo mundo tem o direito a um lugar ao sol, só que não é minha praia. Eu sou uma cantora de jazz, então meu mundo é outro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário